Barrar o liberalismo e o idealismo patriarcal e lutar pela nossa real libertação! I

Mulheres negras, é hora de redescobrir a beleza além da ideia eurocêntrica patriarcal
 Com o intuito de novamente trazer a discussão a existência real e imutável das mulheres negras, trago os assuntos sobre beleza padrão e sobre como pensar uma outra alternativa de essencializar a beleza fora aquilo que conhecemos. Ao longo da vida de meninas negras, as representatividades de mulheres no patriarcado sempre ergueram pessoas aos moldes estipulados pelos dominadores: traços caucasianos, corpos esculturais, delicadeza que somente mulheres brancas possuem o aval de aparentar e possuir. A vida das meninas brancas em contrapartida a vida de meninas negras é universalizada de forma diferente. Ou seja, a opressão que desce de cima para baixo - do dominador pelas oprimidas - é com o mesmo intuito, porém diversificando as formas de opressão, tornando as realidades diferentes e se beneficiando de crimes históricos e científicos para continuar permeando as opressões. Quando pequenas sofremos racismo, rejeitamos o nosso fenótipo por não termos nenhuma representação como nós nas mídias sociais. Nós, mulheres negras, somos reféns do racismo, do patriarcado e do preconceito que o racismo gera (porque racismo não é um pré-conceito, é um conceito completamente estruturado em ódio\aversão a um determinado grupo racial\étnico). Tendo isto em mente, sabemos que nunca estivemos ou fomos a "mulher" ideal do patriarcado. Nunca encaramos a beleza padrão na mesma proporção que as brancas enxergavam a beleza e as necessidades de adaptação na sociedade patriarcal. O patriarcado capitalista e racista universalizou espaços que categorizam mulheres como "mulheres" e "quase mulheres" brancas - quase brancas.

 Deixe-me explicar. Eu sou negra, tenho fenótipo das negras africanas e meu cabelo é cacheado. Sofri racismo ao longo da infância em escolas públicas e privadas. Também senti a aversão das pessoas no olhar quando aquela menina de "cor" (branco, amarelo, não são cores também?) entrava em um lugar que comumente é frequentado por brancos e, em sua maioria, ricos. Mas dentro desta questão, eu não irei visualizar o mundo social das mulheres através de uma perspectiva única, pessoal. A questão é que a nossa realidade é repetível, isto é, nós, mulheres negras, temos o mesmo caminho árduo e difícil nesta sociedade. E quando digo árduo e difícil, não é com o sentimento hiperbólico de um grupo de mulheres, mas é com o pesar real dessas palavras. Porque muitas vezes nos perguntamos se realmente somos mulheres. Sobre pensar no que é "ser" "mulher", pensa-se, também, que no fundo, mesmo que tivéssemos tido na história a oportunidade de fazer parte da categoria de mulheres padrões, seria, de alguma forma ou de outra uma escravidão social também. Porque aprenderíamos a lutar e a consagrar uma beleza inexiste ao humano. Aprenderíamos a estar e representar a mulher aos moldes patriarcais que também são oprimidas. Porque o conceito de beleza interiorizado a nós é uma opressão. E essa opressão vem de cima, vem do colonizador, vem do homem branco, vem das culturas eurocêntricas que elitizaram o conceito de beleza e de mulher.

Eu gostaria que todas as meninas e mulheres negras tivessem uma sincera admiração, compreensão e satisfação em ter o corpo que tem, em ter a cor da pele, o cabelo, os olhos e os traços que a cada uma de nós foi herdado. Não gostaria que mulheres e meninas negras elevassem a sua autoestima usando novas maquiagens específicas para a pele negra (coisa que por muito tempo não era produzida nessa indústria). Porque eu não consigo imaginar a nossa real libertação rumando para a inserção aos moldes patriarcais. Eu não consigo interiorizar o conceito de empoderamento sabendo que eu estou querendo ser reconhecida enquanto mulher negra, mas que eu não estou lutando para me desvencilhar das amarras patriarcais do conceito do que é ser mulher. Eu estou querendo "existir" da mesma forma que a mulher branca existe no patriarcado. Eu estou lutando para ser reconhecida enquanto uma humana fêmea negra que também merece o seu reconhecimento, mas não o reconhecimento de ser humano, mas de ser humano fêmea e negra aos moldes patriarcais. E é nessa compulsão exacerbada de questionar o racismo e o patriarcado de forma pacífica e diplomática, onde queremos assinar um acordo de tolerância e convivência com a sociedade patriarcal branca e capitalista, onde queremos ser aceitas e ter a nossa identidade negra sem extirpar e destruir a necessidade de ser uma mulher aos moldes patriarcais, que está prejudicando severamente e fazendo a luta feminista pela nossa libertação retroceder a cada momento.

Seguindo dentro desta mesma via de pensamento, me questiono como é que iremos, finalmente, avançar na luta sem nos desprendermos verdadeiramente daquilo que nos transforma e nos essencializa como mulheres patriarcais? Como é que a nossa beleza, a nossa autoestima - que vêm de influências externas para ligações internas e psicológicas -, ainda continuará nas mãos daqueles que lutamos contra? Isto é, mesmo quando não queremos admitir e relutamos através de diversos discursos e conceitos obstantes à realidade para performar uma ideia positiva da maquiagem e do ideal de beleza para mulher brancas, negras e indígenas, ainda continuamos lutando para sermos mulheres ao ver do patriarcado, ainda seguimos com a visão eurocêntrica de beleza e, sabe por que isto é difícil de extirpar ao todo, companheira? Porque temos uma história ascendente e pulsante de gerações de mulheres que foram feitas reféns e subservientes aos padrões eurocêntricos dos homens. Fomos idealizadas, projetadas e industrializadas para sermos de um jeito padrão, aceitável e estipulável. E, honestamente? Para muitas mulheres o "padrão" está muito longe, quase inexistente. Vejo as minhas primas negras por parte de pai tentando alisar o cabelo, passando maquiagem e transformando o rosto, o corpo e a essência física em uma apresentação desconfigurada. E note que isto não tem nada a ver com o elevar a autoestima de alguém. Isto tem a ver com prisão psicológica, decepção vil da realidade que o patriarcado configura a nós, mulheres. Mesmo que as minhas primas tivessem dinheiro suficiente para comprar maquiagens específicas para a pele negra, elas ainda estariam performando a "beleza" e a "autoestima" delas de acordo com a ideia patriarcal. Porque os corpos perfeitos, a pessoa "bonita", no fundo, não existem. Nem para as meninas negras e nem para as mulheres brancas. O conceito de beleza é um conceito eurocêntrico, misógino e violento contra as mulheres. Ou porque somos magras demais, gordas demais, "normais"; ou porque não nos arrumamos bem - enquanto muitas pessoas acham até bonito quando homens andam mais desajeitado -, ou porque o nosso cabelo nunca é bom, bonito ou legal, precisamos sempre modificá-lo, tentar enquadrar na beleza padrão; ou os nossos lábios, pele e face são sempre espinhosos, ásperos e nunca suficientemente bom, portanto, acreditamos na necessidade de se sentir mais bonita, com a autoestima mais elevada no momento em que pegamos uma base, pó e passamos no rosto; no momento em que botamos um sapato desconfortável, um vestido apertado, e saímos por aí tendo que levar na bolsa uma maquiagem reserva. Uma mulher  branca que possui o seu cabelo natural, que não usa maquiagens, que não usa roupas de acordo com a ideia sexista, que não se prende a determinadas compreensões sociais\patriarcais, pode ser mal-vista e não-aceita. Uma mulher negra que possui o seu cabelo natural, que não usa maquiagens, que não usa roupas de acordo com a ideia sexista, que não se prende a determinadas compreensões sociais\patriarcais, além de ser mal-vista, não-aceita, seria, juntamente, humilhada racialmente e refém de um racismo patriarcal que além de escravizar a mão-de-obra negra em tempos de escravidão, também escraviza mulheres ao padrão do que é ser mulher.

Estava esses dias olhando no Youtube canais de maquiagem para a pele negra. E muitas das técnicas de maquiagem era como "reduzir" a testa - se fosse muito grande -, como dar a ilusão de "afinar" o nariz e o queixo com as ferramentas necessárias: as maquiagens. Você podia aprender a avantajar as bochechas, "clarear" partes escuras da sua face e reduzir outras. E novamente pergunto. Isso contribui para a nossa real libertação? 

Às vezes eu vejo como é difícil sair dessa emboscada. Como essencializamos todas as psicologias patriarcais e racistas e como dificilmente conseguimos superar em totalidade todos os problemas internalizados. Mas é necessário que estejamos pensando e lutando em busca de uma real libertação. Onde nós não saiamos de uma prisão para ir em direção a outra. Onde nós não invertamos o sentido real do que é ser uma mulher empoderada e feminista. Nós precisamos sair do conceito de beleza, ficar, pensar e agir de acordo com políticas e filosofias liberais que travam a nossa luta e nos cegam a visão. Precisamos libertar verdadeiramente as mulheres não para que elas tenham inserção na humanidade patriarcal, mas para que elas resgatem a sua humanidade e para que elas se reconheçam como mulheres livres e independentes. Somos um povo dominado. Precisamos reverter essa situação. 

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