O que garante a nós mesmas?

Quando se é mulher negra é difícil olhar ao redor e pensar: "poderia ter sido eu". Poderia ter sido eu não quer dizer que numa realidade diferente e distante aquela situação de violência racial e de gênero poderia ter me acometido. Poderia literalmente, fisicamente, emocionalmente ter sido eu. Porque nada neste mundo, e especificamente falando, neste Brasil, garante que uma mulher negra tenha o mínimo de humanidade reconhecida. Nada garante que não sejamos baleadas pelas costas pela própria polícia militar, que utiliza da alcunha institucional de proteção para poder agir violentamente nas periferias, e sendo assim, nada garante que eles não forjem as provas de seus próprios crimes para nos culpabilizar da violência e da morte e nos arrastar por 350km no asfalto. Portanto, nada garante que não sejamos não apenas metaforicamente, mas em toda a vida literal de violência que Cláudia sofreu. Nada garante que nossos filhos não sejam mortos e tenham suas realidades forjadas por qualquer funcionário da Polícia Militar. Nada garante que não tenhamos o mesmo fim indissolúvel que Maria do Céu teve ao ser assassinada pelo ex-marido inconformado. Nada nos garante que não sejamos negligenciadas em um sistema de saúde que faça pouco caso de uma mulher gestante negra, ou no caso de Alyne, que era uma adolescente em caso emergencial de gravidez e que só foi atendida depois de três horas de espera. Nada garante as eclâmpsias que acometem à vida das mulheres negras habitualmente...

Nada nos garante que não sejamos exatamente aquela mulher negra e pobre que sofre ao nosso lado, em nossas famílias. Porque no fundo sabemos que permeia a dúvida... "Quanto vale a vida da mulher negra?" Quanto vale as nossas vidas em diáspora? Quanto vale as nossas vidas sendo a mão de obra mais barata do mercado capitalista? São dúvidas de nossa incumbência. Dúvidas que atingem estritamente às nossas realidades. Dúvidas que são parte integral do nosso cotidiano.
 

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