Relações livres, liberdade sexual e poliamor não dizem respeito à segurança das mulheres

Antes de tudo, cara leitora, vamos repensar nos termos que vem a seguir: relações livres; poliamor; liberdade sexual (este será o último, porém não menos importante tópico o qual será abordado neste texto). Estes termos representam conceitos que foram e seguem sendo uniformemente falaciosos. Antes que as pedras voem e as pessoas digam que minhas palavras querem ditar, e não debater, vamos ao que interessa. 

A heterossexualidade não é opção para as mulheres. É um regime político sobre corpos que foram secularmente massacrados dentro desta premissa. Quando você opta, justo no século XXI, onde mulheres não são livres (mesmo quando pensam que são e, por isto, reduzem lutas em espaços limitados de ativismo), a vivenciar o primeiro termo citado, as relações livres, é necessário que se pense sobre o que implica esta liberdade. Acho problemático quando saímos da normatividade, ou da monogamia (o que historicamente homens sempre o fizeram), e migramos para um relacionamento múltiplo com vários homens (neste caso) e não questionamos sobre a nossa profunda e verdadeira existência dentro de relacionamentos tão variados, múltiplos e "livres", estamos correndo sérios riscos que podem vitimar a nossa saúde física e emocional. Liberdades que não são contextualizadas simplesmente não existem, e, se dizem o contrário, no mínimo soa falacioso, e é por isto que trazemos este debate com as mulheres que são adeptas ao "poliamor", às "relações livres" e a liberdade sexual. 

O que existe hoje em dia dentro de quem é adepto ao poliamor? Eu sou militante dos movimentos sociais desde os treze anos de idade. Tive contato muito precoce com homens adultos e mulheres adultas e adolescentes, e pré-adolescentes, como era o meu caso. E notava que por trás de todos os discursos libertários ou liberais haviam muitas violências que continuavam a determinar que o estupro, a pedofilia, o estupro corretivo de lésbicas e todas as violências já mencionadas, continuasse com o seu "livre percurso", para seguir permeando sorrateiramente as relações abusivas que se davam entre homens e pessoas do sexo feminino.

 Esses conceitos de relações são problemáticos. Não estou enrijecendo minha capacidade de aceitar os diferentes tipos de relacionamento. Estou questionando sobre a segurança política sobre aquilo que vitimiza muitas meninas e mulheres, que se ludibriam com esse alternativo jeito de "amar". Quando discordamos, por exemplo, do poliamor e das relações livres (já chegaremos nesta segunda) somos enquadradas como caretas, quadradas, limitadas e "reféns do patriarcado" e da heteronormatividade monogâmica. Mas não é disso que estou falando, e, sim, podemos repensar modos de se relacionar, mas que isto seja feito minimamente com responsabilidade e ética sobre aquilo que o termo roga: liberdade. Nestes casos, em sua maioria, o que vemos são relacionamentos abusivos, não só com um homem, mas com vários. E mesmo assim usa-se o tal do "relacionamento livre" para atribuir uma falsa sensação de liberdade, quando na verdade não se pensa profundamente sobre como essas relações se formam e se materializam na prática. A quantidade de pessoas com a qual tu te relaciona não te faz uma mulher segura e livre. Quantidade não significa liberdade

Vamos pensar juntas. Essas relações são majoritariamente abusivas, repletas de desigualdades, porque assim dita o pátrio poder. Nos prendemos aos homens quando nos enredamos em suas teorias falaciosas que dizem sobre o nosso bem-estar. Pensar que somos livres, assim como eles, não nos fornece certa confiança? Mas não é liberdade o que temos. É servidão, é absorção absoluta e cega das ideias que beneficiam a casta masculina. E não é isso que queremos nem para você e nem para mim. Eu já vivenciei isso e sofri muito, porque estupro se tornou tão comum dentro das "liberdades" patriarcais que mulheres aprenderam a não revidar o pensamento deles. Mas estou te propondo que pense sobre isso. Sobre a sua segurança, e sobre a luta da sua liberdade, que não é sobre ser livre, pois essa é uma condição momentaneamente impossível (pelo menos para mim, não estarei livre enquanto nenhuma mulher o for). 
Resultado de imagem para liberdade sexual é ilusão 

Onde entra os "grandes filósofos e estudiosos" do século XIX nessa história? Em qual parte eles definem e dão estrutura aos seus conceitos de liberdade em se relacionar? 

O início  começa lá no século XIX (dezenove) quando homens como Michel Foucault, com total apoio das elites alternativas como Jean-Paul Sartre, Maurice Merleau-Ponty, René Maheu e, com total conveniência de Simone de Beauvouir (tão idolatrada por muitas feministas radicais), começaram a dissertar sobre biopolítica e liberdade de relações. Nasce, então, um novo conceito fortemente despersonalizado de críticas por este meio, de relações que se diziam livres, que se propunham abertas E, na verdade, estavam criando meios rebuscados e institucionais para que dentro de relações livres pessoas adultas também pudessem se relacionar livremente com adolescentes e crianças (ver em: Beauvoir também questionava a determinação por lei de uma idade de consentimento - a maioridade sexual legal de um cidadão -. Entre 1977 e 1979, enquanto era debatida uma reforma do código penal no Parlamento da França, vários intelectuais franceses assinaram petições e cartas abertas solicitando a despenalização de relações consensuais entre adultos e menores de 15 anos (então a idade de consentimento na França). Beauvoir assinou, ao lado de outros intelectuais em geral, uma petição enviada ao parlamento francês em 1977 pela abolição da idade de consentimento e em prol da descriminalização do sexo consensual. A petição foi assinada por 69 personalidades, como os filósofos Louis Althusser, Gilles Deleuze, Jacques Derrida, Michel Foucault, Jean-François Lyotard, Jean-Paul Sartre, André Glucksmann, Roland Barthes, os escritores Louis Aragon, Catherine Millet e Philippe Sollers, a pediatra e psicanalista infantil Françoise Dolto, entre outros. Sem esquecer que foi neste mesmo período destas petições que deu-se início ao NAMBLA, que obteve apoio destas pessoas mencionadas).

 Quando falamos, portanto, de liberdades em relações, sabemos que dentro de suas origens, de suas raízes, nunca houve verdadeiramente liberdade. Não se pode dissertar sobre relações livres quando mulheres e crianças vivenciam realidade de total vulnerabilidade dentro do patriarcado. Isto porque nunca houve liberdade para as mulheres, e a quantidade de parceiros que ela pode obter na vida, em rotação - vários ao mesmo tempo -, não descaracterizam a condição política a qual mulheres estão submetidas por milênios. As teorias pós-modernas entraram com força dentro dos espaços da esquerda - pois o discurso de liberdade na visão do criador falocêntrico sempre teve espaço em qualquer lugar -, e até nos meios mais combativos ao capitalismo, como o anarquismoteve (e tem) hábitos incisivos e presentes das relações livres que fundamentam uma falsa afirmativa de que a relação monogâmica consiste em uma das maiores opressões históricas, justificando que o casamento perante a igreja (Estado) torna o amor (o "amor" sob a perspectiva do macho branco), pertencente ao capitalismo e não aos indivíduos. E isso, dentro da perspectiva, é uma das maiores privações de liberdade. Quando, em suma, não se trata do casamento, dos indivíduos enquanto homem e mulher em pé de igualdade. O homem casado, o homem solteiro, o homem monogâmico, o homem poligâmico, o homem em qualquer posição que ele esteja, ele SEMPRE estará estabelecendo relações violentas e abusivas sobre as mulheres. Porque o sistema do macho branco nunca foi sobre igualdade, e nem nunca será. O sistema do macho sobre as mulheres sempre foi para uso próprio, uso de consumidor para produto, aproveitamento de sua posição eternamente hierarquizada para beneficiar a própria casta, de exploração e de meios para perpetuar gerações de patriarcas que serão, futuramente, os progenitores de novos herdeiros, como, por exemplo, a permanência milenar da maternidade obrigatória à mulher, que materialmente existe com a finalidade de servir, reproduzir e nada mais. Quando você, mulher, acredita que revoluciona se relacionando com várias pessoas, neste caso, com vários homens, sem compreender as relações de estrutura e de dominação que age sobre as nossas existências, então você é vítima. Você não precisa de sofismos, você não precisa se iludir e nem adotar filosofias falaciosas para se sentir livre. E a única diferença entre uma vítima heteronormativa-monogâmica e uma vítima poligâmica-liberal que se relaciona com homens é que uma compreende a fidelidade e devoção, e a outra crê na liberdade sexual de filosofias falocentradas, criada para benefício do sistema patriarcal, para continuar violentando as mulheres em quaisquer condição filosófica ou de crença. Ou seja. Não há grau de "liberdade superiorizada", como muitas gostam de enfatizar. Não há. Volto a dizer: se relacionar com mais pessoas não te faz uma pessoa livre. Poligamia e "relações livres" não é sobre liberdade individual, é sobre um conceito de se relacionar e sobre a prática deste conceito. Isto não implica que seja um ato revolucionário e transformador, porque ainda temos mulheres, crianças e adolescentes sendo estupradas e violentadas nas premissas desses modos de relacionamento. Não existe SUPERIORIDADE, mulher, em um sistema falocentrado, conduzido e baseado pelas teorias liberais dos machos. Você, mulher, precisa buscar a coerência, precisa buscar sentir o que nos une e não o que nos afasta. A mulher que você diz ser extremamente oprimida, quadrada e limitada por escolher casar em uma relação monogâmica, não é menos oprimida que VOCÊ. A sua arrogância não sobreviverá e não nos fará sobreviver. Precisamos de você. Precisamos muito de você. E você precisa de nós.  

Não obstante, este tipo de conceitualização acerca das relações, é, sim, um produto gerado para homens continuarem tendo teorias a seu favor para violentar crianças e adolescentes na FALSA PREMISSA de LIBERDADE SEXUAL, quando na verdade, o que estamos falando não é sobre consenso, é sobre ESTUPRO, é sobre PEDOFILIA, é sobre permissividade social que sempre justificou o domínio masculino nas relações humanas e sempre subjugou o direito real e independente das mulheres lutarem contra isto. E quem consome a teoria falocentrada de liberdade sexual? As mulheres. As meninas. As crianças e adolescentes que veem na mídia (um exemplo aqui) da liberdade sexual sendo amplamente divulgada e normalizada, sem problematizar profundamente as relações históricas de homens e da pedofilia. Estas meninas, adolescentes, crianças e mulheres acabam sendo vitimadas por filosofias como essa. Por que deveria ser certo um homem mais velho se relacionar com uma menina? Uma menina que ainda está em formação, em crescimento, que está desenvolvendo o próprio corpo ser tocada, ser entregue a um homem mais velho? Qual o sentido LÓGICO e LIVRE de adultos se relacionarem com crianças, com adolescentes, com pessoas que NÃO SÃO e NÃO ESTÃO em pé de igualdade, que não possuem liberdade PROFUNDA E REAL de pensar sobre os relacionamentos sociais, justamente porque vivem em uma sociedade absolutamente falocentrada onde machos designam a sexualidade e a condição de existência da humanidade? Como falar em consenso quando não temos liberdade de todas as informações projetadas sobre nós dentro da cultura do estupro, da cultura massivamente nociva ao senso humano de escolha e autonomia? Como ter CONSENSO quando nunca houve autonomia? Como uma criança ou uma adolescente pode ter CONSENSO quando homens mais velhos se aproveitam de situações como esta, porque sabem da condição restrita das escolhas individuais que a massiva ideia patriarcal impôs milenarmente às sociedades? Como ter liberdade sexual onde nunca houve, de fato, igualdade, justiça e horizontalidade entre homem e mulher? Não se pode esperar que mulheres, crianças e adolescentes continuem sendo reféns deste tipo de situação. 

Comentários

  1. Parabéns, ótimo texto ! gostei da parte em que falou do consentimento de criança e adolescentes... eu ainda não encontrei um texto que fosse mais profundo e crítico sobre o consentimento sexual da menoridade...
    Se puder produzir um texto com esse tema seria grata, beijos

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